Por Francisco Gérson Marques de Lima
Doutor, Professor Associado da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Ceará, Subprocurador-Geral do Trabalho, membro do Grupo de Estudos em Direito do Trabalho (GRUPE).

1. O xis da questão:

Estão correndo boatos, comentários e notícias de que já foi alcançado o quórum no STF para validar a cobrança da contribuição assistencial pelos sindicatos. É que cinco dos onze Ministros se manifestaram favoráveis à dita cobrança, modificando, assim, seu entendimento firmado anteriormente. Embora o Min. Alexandre de Moraes tenha pedido vistas, levando à suspensão do processo, um sexto voto deveria ser computado, o do Min. Marco Aurélio, passando, assim, a 06 votos favoráveis à referida contribuição.

Olhando-se o quadro divulgado no site do STF, referente às decisões proferidas no processo ARE 1018459, constata-se a seguinte informação:

Fonte: https://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=5112803, acessado em 27.04.2023.
 

Então, seriam 05 votos acompanhando o Relator, entre os ministros da ativa, mais o do Min. Marco Aurélio (aposentado), totalizando 06, o que formaria, portanto, maioria em favor da tese defendida pelos sindicatos, já que o STF possui 11 membros.

Todavia, a informação e a interpretação não estão totalmente corretas, pois o quórum ainda não foi alcançado. A questão decisiva para tanto é a compreensão do voto do Ministro Marco Aurélio, atualmente aposentado.

2. Da sucessão de julgamentos no processo:

Para se compreender e dirimir o equívoco, cabe uma rápida narrativa dos fatos processuais, no que tenha pertinência com a questão em apreço.
Em 24.02.2017, antes da Reforma Trabalhista, ao julgar o processo ARE 1018459 (Relator Min. Gilmar Mendes), originário de ação civil pública promovida pelo MPT/PRT-9ª Região (Curitiba-PR), o STF concluíra por reafirmar sua jurisprudência e editar a tese constante do tema 935, pelo qual veda a cobrança de taxa assistencial aos trabalhadores não filiados, sem sua prévia autorização. A entidade sindical ré, então, opôs Embargos de Declaração almejando efeito modificativo, em 17.03.2017.

A sessão virtual dos EDs modificativos iniciou-se em 14.08.2020, sob a relatoria do Min. Gilmar Mendes, que se manifestou pela rejeição desse recurso, tendo sido acompanhado pelo Min. Marco Aurélio. Então, o Min. Dias Toffoli pediu destaque, para que o processo fosse levado à sessão presencial, a qual se realizou em 15.06.2022. Nesta sessão, o Relator votou pela rejeição dos Embargos, seguindo-o os Min. Dias Toffoli, Nunes Marques e Alexandre de Moraes. O Min. Fachin divergiu para acolher e sanar as omissões e contradições apontadas, porém sem efeitos modificativos. Logo, nada mudou no entendimento firmado e no cenário processual. Foi quando o Min. Roberto Barroso pediu vistas. A certidão de julgamento é expressa:

“Decisão: Após os votos dos Ministros Gilmar Mendes (Relator), Dias Toffoli, Nunes Marques e Alexandre de Moraes, que rejeitavam os embargos de declaração; e do voto do Ministro Edson Fachin, que conhecia dos embargos de declaração e os acolhia para sanar a contradição e a omissão apontadas, sem efeitos modificativos, mantendo-se incólume a tese fixada no acórdão embargado, pediu vista dos autos o Ministro Roberto Barroso. Ausente, justificadamente, o Ministro André Mendonça, sucessor do Ministro Marco Aurélio (que votara na sessão virtual em que houve o pedido de destaque, acompanhando o voto do Relator). Presidência do Ministro Luiz Fux. Plenário, 15.6.2022.”

O processo foi novamente devolvido para julgamento, cuja Sessão Virtual se iniciou em 14.04.2023, oportunidade em que o Ministro Luís Roberto Barroso apresentou uma nova perspectiva sobre a matéria, refluindo de seu entendimento anterior e votando pelo acolhimento dos Embargos de Declaração para acolher a tese da cobrança da taxa assistencial a filiados e não filiados, respeitado o direito de oposição. Então, alguns Ministros reconsideraram seus votos e o acompanharam, tendo o próprio Relator modificado seu voto em razão dos novos fundamentos do Ministro vistor. Assim, até o momento (noite de 27.04.2023), votaram com a nova interpretação os Min. Gilmar Mendes (Relator), Roberto Barroso (vistor), Cármen Lúcia, Dias Toffoli e Edson Fachin (5 votos). Pediu novas vistas o Min. Alexandre de Moraes. Do voto de reconsideração do Min. Gilmar Mendes, colhe-se:

“Assim, evoluindo em meu entendimento sobre o tema, a partir dos fundamentos trazidos no voto divergente ora apresentado – os quais passo a incorporar aos meus – peço vênias aos Ministros desta Corte, especialmente àqueles que me acompanharam pela rejeição dos presentes embargos de declaração, para alterar o voto anteriormente por mim proferido, de modo a acolher o recurso com efeitos infringentes, para admitir a cobrança da contribuição assistencial prevista no art. 513 da Consolidação das Leis do Trabalho, inclusive aos não filiados ao sistema sindical, assegurando ao trabalhador o direito de oposição.”

Estes fatos estão bem narrados no voto do Min. Gilmar, quando resolveu acompanhar o Min. Barroso, em abril/2023.

3. E o Ministro Marco Aurélio?

Note-se que o Min. Marco Aurélio, que se aposentou em 12/07/2021, votara de acordo com o Relator, Min. Gilmar Mendes, ainda, no destaque (“levar o processo da sessão virtual para a presencial”), na sessão de 14.08.2020. Todavia, o voto do Relator era pela rejeição dos Embargos de Declaração e pela manutenção do acórdão embargado, então fruto de decisão unânime da Corte. Esta interpretação jurídica só foi modificada com a divergência apresentada em abril/2023 pelo Min. Roberto Barroso.

Pois bem. A mudança posterior e recente do entendimento do Relator, em abril/2023, não significa que o voto do Min. Marco Aurélio (proferido antes de sua aposentadoria) também tenha mudado automaticamente, até porque aposentado se encontra e tal alteração já não é possível processualmente, posto violar a vontade emitida na época própria. Afinal, a concordância do Min. Marco Aurélio era com a tese do processo em época anterior à reconsideração do voto pelo Relator e conforme àquelas circunstâncias. Vale dizer, ele concordara com a tese defendida à época pelo Relator. Não com qualquer tese, mas com uma específica, que corroborava a interpretação pacífica do STF sobre a matéria.

Quando o Relator muda seu entendimento, os demais membros do órgão tribunalício podem ou não acompanhá-lo na evolução. O silêncio implica manutenção do voto anterior. A não ser assim, bastaria o Relator apresentar nova interpretação e, automaticamente, vincularia todos os que haviam votado consigo, gerando uma ruptura no convencimento de seus pares. E o Relator seria, indiretamente, o dono do veredicto.

Enfim, como o Ministro Marco Aurélio não pode mais votar, fica valendo o que ele consignou no processo enquanto estava na ativa, oportunidade em que foi fiel à jurisprudência então prevalecente na Corte, de impedir a contribuição assistencial a não filiados.

4. Conclusão

Na verdade, percebe-se que as informações constantes do site do STF não estão muito claras e levam o leitor a tirar conclusões inverídicas, como a de entender que o Min. Marco Aurélio votara no mérito dos EDs na sessão presencial e que concordou e continua concordando com o entendimento atual do Min. Relator (Gilmar Mendes). É que consta do site um quadro de “acompanho o relator” onde se situa o voto do Min. Marco Aurélio, mas sem considerar este histórico processual.

Portanto, o quorum de votação para autorizar a taxa assistencial ainda não está completo. A maioria (6 votos) é necessária e, assim, carece de mais 01 (um) para ser alcançado. Mas todos os votos são importantes.

Na verdade, percebe-se que o sindicalismo está muito apreensivo com o julgamento final do processo aqui referido, com justa razão, por se tratar de sua sobrevivência financeira. Mas é preciso que acompanhe o desenrolar da causa com prudência, serenidade, sem precipitação e sem o ímpeto de atropelar os fatos. Há razões para otimismo.

(Artigo publicado em www.excolasocial.com.br, em 27.04.2023).

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